Categoria: Artigos
Data: 02/07/2024

Crentes ou Clientes?

O paradigma do consumo no culto público.


Para discutir o culto público - louvor e adoração - é preciso investigar concomitantemente a cultura vigente que se junta a todos os integrantes do povo de Deus em adoração, estes que figuram como influenciados e influenciadores, produtores e reprodutores de formas de vivência, ao passo que, nesse turbilhão, devem buscar a adoração devida a Deus, ou seja, da forma como Ele deseja. 

Por isso, com esse artigo investiga-se um dos componentes culturais vigentes, o consumismo, e sua influência na Igreja, e, por conseguinte, no culto.

O Sentido de Cultura

É inegável que o mundo contemporâneo é marcado por culturas, expressão aqui utilizada para designar uma forma de vivência no mundo, um viver-no-mundo, com alguma percepção de que algo justifique as práticas cotidianas, um sentido, mesmo que inconscientemente, isto é, sem nenhuma racionalidade construída para tal. É o que poderia ser confundido, em linhas menos acadêmicas, com o importante conceito de cosmovisão, mas um pouco diferente porque revela muito mais um ambiente gerado do que um sentido para as coisas.

Com isso, é possível delinear, dentre várias culturas contemporâneas, a cultura empresarial, do vitimismo, do extremismo, ou da violência, quando se visa a denunciar certos tipos de comportamento generalizados, com os componentes emprestados do conceito de cosmovisão. Nesse sentido é que se descreve, aqui, a cultura de consumo.

Consumismo e o Coração

Olhar para a realidade já nos traz a constatação de que o mundo ocidental é marcado pelo consumismo, é uma premissa inquestionável à crítica, pelo menos intelectual, a tal fenômeno. Simplesmente existe. Admite-se isso sem rigores críticos, e com razão, pois é, de fato, o mundo como o percebemos.

Jesus Cristo de Nazaré já denunciava as ansiedades pecaminosas do homem, verificando o profundo da condição humana, e sua capacidade de construir ídolos ao redor do que se pode obter, como na passagem a seguir (grifou-se):

“― Não acumulem para vocês tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem e onde os ladrões arrombam e furtam. Mas acumulem para vocês tesouros nos céus, onde a traça e a ferrugem não destroem e onde os ladrões não arrombam nem furtam. Pois, onde estiver o seu tesouro, ali também estará o seu coração.” (Mateus 6:19-21, NVI)

Nesse texto bíblico, Cristo faz uma associação entre consumo, tesouro, e coração, sendo uma das passagens que mais confrontam o dia a dia de qualquer cristão moderno, deixando as seguintes perguntas latentes nos nossos ouvidos: - O que tem valor para mim? Onde está o meu coração? Seja no trabalho, na escola, na faculdade, na família, ao ler essa passagem e internalizá-la, ao Crisão é impossível não questionar a própria vida, e em que se deposita qualquer esperança: nas coisas da terra ou nas coisas do céu; naquilo que perece ou naquilo que é eterno?

Assim, a ansiedade que vem do consumismo revela como está o coração do ser humano, em que está a esperança. Contudo, não se pode pensar que consumo se revela tão-somente na forma como se vai ao shopping, ou se acessa cotidianamente seu aplicativo de compras online favorito, mas sim uma disposição do coração, algo mais profundo, que gera posturas, pensamentos, orientações. Tudo isso afetará, invariavelmente, como o crente cultua a Deus no templo.

A Postura Clientelista no Culto

Um alerta inicial importante é que denunciar o consumismo no culto faz com que se deva olhar para si mesmo. Do contrário, as máscaras da boa teologia podem nos distanciar do que devemos fazer quando em contato com as verdades de Deus, aplicar na nossa vida, buscar transformação e vivê-la no Corpo de Cristo.

Sob essa ótica, o crente-cliente não é um desigrejado, um sem-igreja. É aquele que vai à igreja, domingo após domingo, visita a escola dominical, até canta algumas músicas, mas tudo isso com a distância necessária para o consumo continuar. Está, na verdade, se entretendo, consumindo mais um evento religioso da sua vida. Jesus se tornou um programa de fim de semana, como disse John Piper.

Transforma-se o culto como um objeto, com “preço” e tudo, analisando friamente a pregação do pastor para ver se algo está fora do padrão; analisa-se o ambiente: “É climatizado? Tem salinha para as crianças? As pessoas são receptivas? A parede é preta ou não? Toca hinos antigos ou músicas atuais?”. É uma postura que revela preferências, uma busca por conforto máximo, afinal de contas, “existem várias igrejas e cultos no mercado evangélico para se escolher”, como num cardápio da fé.

Caso esteja congregando, a postura é de receber algo em troca, ter expectativa daqueles com os quais se convive no domingo, criar expectativas como um cliente. 

Com Deus, já no culto, não é diferente. Pode estar quebrantado, buscando a bênção que se procura, cura, libertação, prosperidade, melhora da performance emocional, enfim qualquer meio de ser mais feliz, ou, ainda, simplesmente não reagir, em uma postura completamente distante de quem está no templo, primeiro, de Deus, o Rei do Universo, e, segundo, do irmão ao lado com seus problemas, dificuldades e dilemas.

Seja a falsa aproximação interessada das coisas terrenas, seja a distância do povo de Deus reunido, tais sintomas podem revelar uma causa em comum: a cultura de consumo, do entretenimento, de ver a igreja, a casa de Deus, como uma entre as várias opções do cardápio da fé, e o culto público como algo de que não se precisa participar, mas tão-somente assistir.

Conclusão

O Apóstolo Paulo, na Carta aos Efésios, ao retomar Cristo como o padrão da vida da igreja, aquele que se entregou, recomenda o afastamento de doutrinas do presente século - a exemplo do consumismo -  e o faz sempre usando a terceira pessoa do plural - vós (grifou-se):

Não se embriaguem com vinho, que leva à libertinagem, mas sejam cheios com o Espírito, falando uns aos outros com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando ao Senhor de coração, sempre dando graças a Deus Pai por todas as coisas, em nome do nosso Senhor Jesus Cristo. Sujeitem‑se uns aos outros no temor de Cristo. Portanto, não sejam insensatos, mas procurem compreender qual é a vontade do Senhor. (Efésios 5:17-21)

Lembra-se, com isso, que tudo na igreja é feito corporativamente, ou seja, como Povo de Deus reunido, participando de uma tradição de mais de 2000 anos de existência (só para contar o início do cristianismo), e por isso a postura que se deve ter é de integrante de uma comunidade, um participante de fato. “Uns aos outros” como Paulo dizia.

Nesse contexto, por fim, Deus deve ser o centro da adoração - Soli Deo Gloria - não havendo espaço para desejos do coração ilegítimos, ou seja, aqueles que não são temperados com a vontade do Senhor, ou ainda para posturas que revelam que adorar, simplesmente, não é suficiente, pois parece existir algo no coração que disputa com Deus, diferente do que Paulo quer dizer com “louvando ao Senhor de coração”, trazendo a integralidade para a questão.

A palavra de Deus, então, chama o seu povo para examinar a si mesmo, e adorar somente a Ele, em espírito e em verdade, de todo coração, alma, força e entendimento, e, tudo isso, em comunidade.



Autor: Isaac Messias   |   Visualizações: 161 pessoas
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